terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Nota dos Atingidos pela Vale: um mês após a tragédia

Após um mês do rompimento da Barragem de Rejeitos do Fundão, na cidade de Mariana, estado de Minas Gerais, a situação nas regiões afetadas se agrava. Os mortos e desaparecidos, o soterramento de comunidades inteiras, a morte do Rio Doce — uma das maiores bacias hidrográficas brasileiras — são apenas o começo da tragédia provocada pela empresa Samarco S.A., a joint venture das mineradoras BHP Billiton Ltda e da Vale S.A. O maior desastre ambiental ocorrido no Brasil foi um crime, e as populações atingidas, que seguem lutando pela sua sobrevivência, agora lutam por justiça.

Encontra-se em risco a dignidade humana de 3,2 milhões de pessoas, que é a população estimada da bacia do Rio Doce, principal afetada pelo desastre socioambiental. Quando, em 05 de novembro de 2015, a barragem de Rejeitos de Fundão se rompeu, foram derramados 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, que em poucos minutos alcançaram o distrito de Bento Rodrigues, destruindo completamente o local. A quantidade de rejeitos prova que as empresas tinham ultrapassado, e muito, a capacidade da barragem. Em 04 de dezembro, um documento do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) revelou que a Vale depositou uma quantidade maior de rejeitos de minérios na barragem da Samarco que se rompeu do que havia declarado oficialmente. Ela era responsável por quase 30% dos rejeitos da minério da barragem que se rompeu. Deste modo, no contexto das responsabilizações, a Samarco e a Vale devem ser vistas no mesmo grupo de responsáveis pelo ocorrido, negando, assim, o papel de mera acionista da Samarco que a empresa Vale declara publicamente.

Em horas, a lama se alastrou, soterrando casas do distrito de Paracatu de Baixo. As localidades de Paracatu de Cima, Gesteira, Campinas, Pedras, Camargos, Ponte do Gama e Borba e Bicas também foram imediatamente atingidas. A população das localidades não foi comunicada em tempo hábil de salvar objetos, bens e familiares. A lama destruiu casas, igrejas, escolas, currais, pontes, plantações e criações. Até o presente momento, contabiliza-se o número de doze mortos e onze desaparecidos. As buscas por vítimas fatais continuam. O percurso da lama persistiu com intensidade, atingindo o Rio Doce e todos os municípios cortados por ele entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, até chegar ao Oceano Atlântico, a 700 km de distância. Cerca de 8 milhões de toneladas de peixes contaminados e mortos já foram retiradas do rio. Todo este cenário de destruição comprovam a ausência de um plano de emergência efetivo da Samarco com o objetivo de conter o alastramento da lama de rejeitos e o assessoramento das populações do entorno (..).

Um mês após a tragédia, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A. reafirma que este não é um caso isolado e sim mais uma tragédia do setor da mineração. Ao longo dos anos, temos denunciado muitas tragédias provocadas pela mineração da Vale S.A. sobre a vida de comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, camponesas e de populações urbanas empobrecidas. E em diferentes partes do Brasil e do Mundo, de Mariana (MG) a Moçambique, de Santa Cruz (RJ) a Piquiá (MA), de Perak (Malásia) a Mendoza (Argentina), as semelhanças entre narrativas sobre os impactos são o testemunho da insustentabilidade da Vale S.A. e também de todo o setor da mineração. Não podemos deixar que os responsáveis por mais uma tragédia saiam impunes.

Diante disso, exigimos:
- A imediata instauração de investigações imparciais e independentes com o fim de determinar os atores responsáveis pelos crimes cometidos, e que o Estado garanta assessoria jurídica integral às vítimas;
- Que todas as comunidades recebam medidas de reparação em conformidade com parâmetros nacionais e internacionais sobre o direito a um recurso efetivo, inclusive o reassentamento coletivo e integral das famílias residentes nas comunidades atingidas;
- Que os trabalhadores diretos e terceirizados da Samarco e da Vale S.A. tenham os seus direitos respeitados e estabilidade garantida durante o período da paralisação das atividades da Samarco;
- A suspensão das Licenças Ambientais vigentes e a não concessão de novas licenças para as barragens de rejeitos do Fundão, Santarém e Germano;
- Que a população da Bacia do Rio Doce seja devidamente informada, em especial as pessoas diretamente atingidas, sobre os impactos e riscos à saúde por meio do acesso a informações contidas nas Licenças Ambientais e outros Estudos;
- Que essas populações recebam toda a assistência necessária até que seus modos de vida e subsistência sejam restabelecidos;
- Que as posições do Comitê Nacional em Defesa dos territórios frente à Mineração, do qual nossa articulação faz parte, sejam incluídas integralmente no novo Marco Legal da Mineração; que o mesmo não venha a ser votado às pressas, sem o necessário debate público após o maior desastre ambiental do Brasil, provocado por atividades mineiras.
Justiça para as vítimas do desastre ambiental da Vale e da BHP!

Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A.
07 de Dezembro de 2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Nota da CNBB sobre rompimento da Barragem em Mariana

“Toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto” (Rm 8,22)

O Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília dias 24 e 25 de novembro de 2015, manifesta sua profunda solidariedade aos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineradora, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana-MG. Com o mesmo sentimento expresso pela nota da Presidência da CNBB em solidariedade à Arquidiocese de Mariana, emitida no dia 11 de novembro, assistimos, atônitos e indignados, ao rastro de destruição e morte, consequência dessa tragédia, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, cujas causas devem ser rigorosamente apuradas e os responsáveis obrigados a reparar os danos causados.

As vidas dos trabalhadores e moradores tragadas pela lama, bem como a fauna e flora destruídas exigem profunda reflexão acerca do desenvolvimento em curso no país. É preciso colocar um limite ao lucro a todo custo que, muitas vezes, faz negligenciar medidas de segurança e proteção à vida das pessoas e do planeta. Com efeito, lembra-nos o Papa Francisco que “o princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção conceitual da economia” (Laudato Si, 195).

A atividade mineradora no Brasil carece de um marco regulatório que tire do centro o lucro exorbitante das mineradoras ao preço do sacrifício humano e da depredação do meio ambiente com a consequente destruição da biodiversidade. Urge recordar que “o meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos” (Laudato Si, 95). Lamentavelmente, esta grave ocorrência nos faz perceber que este princípio não é levado em conta pelo atual desenvolvimento que tem o mercado e o consumo como principal finalidade.

As consequências do desastre ecológico são incalculáveis e os danos só serão reparáveis a longo prazo em toda a Bacia do Rio Doce. É dever moral do Estado fiscalizar a atividade mineradora e aplicar, com rigor, a lei, aperfeiçoando-a nos pontos em que se mostrar insuficiente ou falha. Aos parlamentares cabe a responsabilidade ética de rever o projeto do novo Código de Mineração, em tramitação na Câmara dos Deputados, a fim de responder às exigências para uma mineração que leve em conta a preservação da vida em todas as suas dimensões. Os legisladores não podem se submeter ao poderio econômico das mineradoras. A vida, o trabalho, a história e os sonhos que foram destruídos sejam motivos para que fatos como este não se repitam.  

O Deus de amor, que nos enche de esperança e força, ajude os atingidos nos caminhos de reconstrução da vida por meio da justiça que lhes restaure o que perderam. Nossa Senhora Aparecida, mãe atenta à aflição de seus filhos, interceda por todos junto a Jesus Cristo. 

Brasília, 25 de novembro de 2015